Artigo

Nada será como antes

Por Eduardo Ritter

Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel

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Você já tentou retornar a algum lugar ou reavivar um relacionamento que, um dia, lhe proporcionou muitas felicidades, mas acabou se frustrando com essa volta ao passado? Acredito que muitas pessoas com mais de 30 anos já passaram por isso pelo menos uma vez na vida: voltar ao antigo emprego, ao bairro da infância, a uma cidade onde se viveu muitas alegrias, reatar com um amigo ausente ou retomar um relacionamento com um ex-namorado/ex-namorada/esposa/marido na expectativa de reencontrar um sentimento que um dia foi muito bom. 

No ensaio O Narrador, o filósofo e escritor alemão Walter Benjamin (1892-1940) aponta indiretamente que a frustração nessa tentativa de reviver as alegrias do passado é quase certa. Ou, como diria o título da música composta por Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, consagrada na voz de Elis Regina (1945-1982): nada será como antes.

Nada será como antes para nós mesmos; no entanto, as experiências de cada um podem ser relativamente bem compartilhadas por outros ao ler uma biografia ou assistir a um filme sobre algum personagem interessante. Ou, como destacaria Benjamin: “a experiência que passa de pessoa para pessoa é a fonte a que recorreram os narradores”. Pois, sabendo que se retornar aos lugares onde vivi grandes momentos eu, no máximo, vou reviver eles apenas através das lembranças, também sei que posso viver experiências incríveis conhecendo histórias de pessoas que inspiram. E foi assim que cheguei à biografia de Elis Regina, Nada será como antes, escrita pelo jornalista Julio Maria e publicada pela Editora Master Books, em 2015.

No momento, estou na página 127 da obra que tem 417 páginas, ou seja, ainda tenho muito da trajetória de uma das principais cantoras da história do País pela frente. Nesta primeira parte, aprendi muito sobre a Música Popular Brasileira, a história de seus personagens e algumas boas fofocas, mas por outro lado, não chego a me sentir íntimo de Elis Regina, e eis aqui a minha crítica. Geralmente as biografias escritas pelos mestres do gênero, como Ruy Castro e Fernando Morais, fazem com que a gente mergulhe nas profundezas da vida e dos pensamentos do personagem biografado. Foi assim que me senti ao ler, por exemplo, Chatô, o rei do Brasil, de Morais, e O anjo pornográfico - biografia de Nelson Rodrigues, de Castro. E tal sentimento, nestes casos, iniciou já nas primeiras linhas. Não é esse o estilo de Julio Maria.

O livro Nada será como antes, parece uma reportagem estendida, um perfil de mais de quatrocentas páginas com muitos nomes e datas e algumas curiosidades escritas para um jornal ou revista. Ou seja, o autor levou para o livro o seu estilo de jornalista especializado em música que o consagrou nos veículos em que trabalhou. Um estilo que já vi em outras obras, especialmente nas biografias escritas pelos jornalistas americanos. Eu respeito, mas prefiro mais a narrativa intimista de Castro e Morais. Afinal, se os biografados não podem reviver da mesma forma as experiências que tiveram décadas atrás ou, em outros casos, quando ainda estavam entre nós, o narrador de suas biografias tem o poder de fazer com que, sim, nada do que viveram será como antes, mas por outro lado, cada uma das histórias que protagonizaram durante tal trajetória podem se tornar únicas, inspiradoras e imortais. Seja na criatividade artística de Castro e Morais, seja no pragmatismo de Julio Maria e dos biógrafos americanos.

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